ATÉ O MAR SE RECOLHE!
Raquel Sueli de Almeida Alcantara da Silva
Este texto
nasceu durante uma caminhada. É uma reflexão sobre o cuidado integral do missionário.
De meados de
fevereiro a meados de março, meu esposo e eu estaremos em Nova Viçosa, litoral
da Bahia. Viemos para fazer companhia e servir uma missionária de 93 anos enquanto
a amiga dela, também missionária, está lecionando Antropologia Cultural no
curso de formação de missionários em Brasília-DF, na Missão ALEM.
Diariamente,
pela manhã, tenho caminhado na praia por quase duas horas. Tem sido um momento
de solitude com Deus, de apreciação da natureza e de exercício físico.
Hoje presenciei
algo espetacular. Ao chegar na praia vi o mar bem distante, recolhido e uma
enorme faixa de areia ao longo da costa. Incrível o fenômeno! Fui andando pelo
enorme banco de areia, com certo temor porque o gigante poderia voltar, mas ao
mesmo tempo pensando na maravilha que estava diante dos meus olhos e buscando
entender o que isso poderia me ensinar. Foi então que veio à minha mente o
título deste texto e a ligação deste fenômeno com a necessidade que o
missionário tem de se recolher em certas ocasiões.
Continuei
andando e observando que em determinados lugares, o gigante começava a retornar
lentamente para os limites que Deus impôs a ele. Assim como o mar vez ou outra
se recolhe, nós missionários também precisamos nos recolher, dar um tempo ao
labor a fim de recarregar as energias. E como isso é difícil para nós!
O sentimento
de urgência que o trabalho requer, a ideia de que um tempo para se recolher e
descansar pode ser interpretado como “corpo mole” por pessoas que não conhecem
a nossa exaustiva rotina e embates diretos e constantes com o inimigo no Ministério,
o pensamento de que não somos merecedores de “regalias”, o autoflagelo de que
precisamos ter sempre a agenda cheia de compromissos, porque afinal é isso que
esperam de nós. Tudo isso e muitos outros motivos nos levam a negligenciar o
que o sábio diz em Eclesiastes 9:10 “Tudo quanto te vier à mão para fazer,
faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há
obra nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma”.
Nós missionários, bem sabemos que o nosso
corpo fala, alerta e até clama por um recolhimento ou arrefecimento das
atividades do dia a dia, mas costumamos adiar e fazer-nos surdos aos alertas
até que, o corpo entra em colapso. Nós missionários não somos de ferro. Somos
tão humanos quanto qualquer outro membro do Corpo de Cristo. O recolhimento para
descansar não é luxo, não é só para quem pode, mas para todos quantos necessitam.
Nosso amado Mestre Jesus Cristo nos ensina
pelo exemplo que há momentos em que precisamos nos recolher, ficarmos sozinhos
para orar, para meditar, para apreciar a natureza e deixar Deus falar conosco –
“Sendo dia, saiu para um lugar deserto...
Partindo Jesus dali, foi para junto do Mar da Galileia; e, subindo ao monte,
assentou-se ali” (Lucas 4:42a; Mateus
15:29). É o que tenho feito nestes preciosos dias e recomendo o mesmo para
todos os missionários, especialmente àqueles que são “workaholic”, ou seja,
compulsivos por trabalho.
E quando o missionário tem dificuldade de
dizer não, de parar e se recolher para descansar? Com certeza existem pessoas
que estão observando o missionário e algumas até gostariam de sugerir que ele
descanse. Meu conselho para essas pessoas e igrejas mantenedoras, enviadoras ou intercessoras é que não se omitam em dizer e proporcionar
para o missionário tais momentos de merecido descanso. Isso é parceria!
A cobrança por resultados rápidos ou imediatos
e a desconsideração pelo limite físico, espiritual e emocional do missionário só
contribuem para o seu esgotamento e saída do campo precocemente, e pior, sob um
sentimento de frustração e de abandono. Se nós carregamos nossos celulares
algumas vezes ao dia para mantê-lo funcionando e conectando-nos com o mundo,
porque não deveriam os missionários receber cargas de energia durante o ano?
Quando eu voltei da caminhada, vi que em
alguns lugares o mar ainda não havia voltado de seu recolhimento e isso me fez
pensar que os períodos de recolhimento para descanso do missionário devem ser
de acordo com a necessidade de cada um. Cada corpo e mente responde de maneira
subjetiva. Deus respeita a necessidade individual das pessoas. Ele nos criou e
sabe o tempo que cada corpo leva para se refazer. Deus não apressa, não atropela
e nem interrompe, pelo contrário, Ele sabe esperar e, enquanto espera, Deus sustenta
e nunca nos abandona.
O mar continua lá forte, vivo e nos
abençoando com seu espetáculo que encanta. Nós missionários continuamos aqui
também vivos e prontos para ir, mas restaurados. Nós somos a igreja indivíduo onde
a igreja instituição não consegue chegar. Concluo minha reflexão com a
inspiradora frase do pai das Missões Modernas, William Carey, missionário
tradutor da Bíblia na Índia, no século 18 – “A
Índia é uma mina de ouro. Eu vou descer e cavar, mas vocês devem segurar as
cordas”.
Nova Viçosa-BA, 02 de março de 2019.
O descanso ou o repouso planejado é necessario para que o espírito, a alma(mente, emoções, vontade) e o corpo rompam de forma inteligente com o estado anterior para um novo estado onde as energias recompostas e fortalecidas prossigam na busca de novas experiências, agora com mais maturidade e novos propósitos. O ativismo é inimigo da racionalidade.
ResponderExcluirExcelente reflexão minha querida colega! Deus te use mais e mais para trazer aos nossos corações ensinamentos que nos ajudam a fim de podermos servi-Lo sempre melhor... Abraços
ResponderExcluirObrigada Solange. E não se esqueça também de tirar um tempo para descansar. Sei o quanto o trabalho aí exige.
ExcluirAmei a reflexão! De fato o descanso foi ensinado por Deus, mas muitos deixam de apreciá-lo ou valorizá-lo. Precisamos lembrar que os missionários também tem vontade de ser turista, acordar tarde, pensar em escolher apenas no que vai almoçar ou jantar. É bom trazer esse viés, pois costumamos não ouvir que os missionários estão de férias, quando estão, pregam as igrejas relatando os resultados nos campos. A família precisa descansar, guardar na lembrança momentos recolhidos que trouxeram bons momentos!
ResponderExcluirObrigada Tânia.
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