sábado, 2 de março de 2019

Até o mar se recolhe!


ATÉ O MAR SE RECOLHE!


Raquel Sueli de Almeida Alcantara da Silva


Este texto nasceu durante uma caminhada. É uma  reflexão sobre o cuidado integral do missionário.  
De meados de fevereiro a meados de março, meu esposo e eu estaremos em Nova Viçosa, litoral da Bahia. Viemos para fazer companhia e servir uma missionária de 93 anos enquanto a amiga dela, também missionária, está lecionando Antropologia Cultural no curso de formação de missionários em Brasília-DF, na Missão ALEM.  
Diariamente, pela manhã, tenho caminhado na praia por quase duas horas. Tem sido um momento de solitude com Deus, de apreciação da natureza e de exercício físico.
Hoje presenciei algo espetacular. Ao chegar na praia vi o mar bem distante, recolhido e uma enorme faixa de areia ao longo da costa. Incrível o fenômeno! Fui andando pelo enorme banco de areia, com certo temor porque o gigante poderia voltar, mas ao mesmo tempo pensando na maravilha que estava diante dos meus olhos e buscando entender o que isso poderia me ensinar. Foi então que veio à minha mente o título deste texto e a ligação deste fenômeno com a necessidade que o missionário tem de se recolher em certas ocasiões.
Continuei andando e observando que em determinados lugares, o gigante começava a retornar lentamente para os limites que Deus impôs a ele. Assim como o mar vez ou outra se recolhe, nós missionários também precisamos nos recolher, dar um tempo ao labor a fim de recarregar as energias. E como isso é difícil para nós!
O sentimento de urgência que o trabalho requer, a ideia de que um tempo para se recolher e descansar pode ser interpretado como “corpo mole” por pessoas que não conhecem a nossa exaustiva rotina e embates diretos e constantes com o inimigo no Ministério, o pensamento de que não somos merecedores de “regalias”, o autoflagelo de que precisamos ter sempre a agenda cheia de compromissos, porque afinal é isso que esperam de nós. Tudo isso e muitos outros motivos nos levam a negligenciar o que o sábio diz em Eclesiastes 9:10 Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma”.
Nós missionários, bem sabemos que o nosso corpo fala, alerta e até clama por um recolhimento ou arrefecimento das atividades do dia a dia, mas costumamos adiar e fazer-nos surdos aos alertas até que, o corpo entra em colapso. Nós missionários não somos de ferro. Somos tão humanos quanto qualquer outro membro do Corpo de Cristo. O recolhimento para descansar não é luxo, não é só para quem pode, mas para todos quantos necessitam.
Nosso amado Mestre Jesus Cristo nos ensina pelo exemplo que há momentos em que precisamos nos recolher, ficarmos sozinhos para orar, para meditar, para apreciar a natureza e deixar Deus falar conosco – “Sendo dia, saiu para um lugar deserto... Partindo Jesus dali, foi para junto do Mar da Galileia; e, subindo ao monte, assentou-se ali”  (Lucas 4:42a; Mateus 15:29). É o que tenho feito nestes preciosos dias e recomendo o mesmo para todos os missionários, especialmente àqueles que são “workaholic”, ou seja, compulsivos por trabalho.
E quando o missionário tem dificuldade de dizer não, de parar e se recolher para descansar? Com certeza existem pessoas que estão observando o missionário e algumas até gostariam de sugerir que ele descanse. Meu conselho para essas pessoas e igrejas mantenedoras, enviadoras ou  intercessoras é que não se omitam em dizer e proporcionar para o missionário tais momentos de merecido descanso. Isso é parceria!
A cobrança por resultados rápidos ou imediatos e a desconsideração pelo limite físico, espiritual e emocional do missionário só contribuem para o seu esgotamento e saída do campo precocemente, e pior, sob um sentimento de frustração e de abandono. Se nós carregamos nossos celulares algumas vezes ao dia para mantê-lo funcionando e conectando-nos com o mundo, porque não deveriam os missionários receber cargas de energia durante o ano?
Quando eu voltei da caminhada, vi que em alguns lugares o mar ainda não havia voltado de seu recolhimento e isso me fez pensar que os períodos de recolhimento para descanso do missionário devem ser de acordo com a necessidade de cada um. Cada corpo e mente responde de maneira subjetiva. Deus respeita a necessidade individual das pessoas. Ele nos criou e sabe o tempo que cada corpo leva para se refazer. Deus não apressa, não atropela e nem interrompe, pelo contrário, Ele sabe esperar e, enquanto espera, Deus sustenta e nunca nos abandona.
O mar continua lá forte, vivo e nos abençoando com seu espetáculo que encanta. Nós missionários continuamos aqui também vivos e prontos para ir, mas restaurados. Nós somos a igreja indivíduo onde a igreja instituição não consegue chegar. Concluo minha reflexão com a inspiradora frase do pai das Missões Modernas, William Carey, missionário tradutor da Bíblia na Índia, no século 18 – “A Índia é uma mina de ouro. Eu vou descer e cavar, mas vocês devem segurar as cordas”.

Nova Viçosa-BA, 02 de março de 2019.

5 comentários:

  1. O descanso ou o repouso planejado é necessario para que o espírito, a alma(mente, emoções, vontade) e o corpo rompam de forma inteligente com o estado anterior para um novo estado onde as energias recompostas e fortalecidas prossigam na busca de novas experiências, agora com mais maturidade e novos propósitos. O ativismo é inimigo da racionalidade.

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  2. Excelente reflexão minha querida colega! Deus te use mais e mais para trazer aos nossos corações ensinamentos que nos ajudam a fim de podermos servi-Lo sempre melhor... Abraços

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    1. Obrigada Solange. E não se esqueça também de tirar um tempo para descansar. Sei o quanto o trabalho aí exige.

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  3. Amei a reflexão! De fato o descanso foi ensinado por Deus, mas muitos deixam de apreciá-lo ou valorizá-lo. Precisamos lembrar que os missionários também tem vontade de ser turista, acordar tarde, pensar em escolher apenas no que vai almoçar ou jantar. É bom trazer esse viés, pois costumamos não ouvir que os missionários estão de férias, quando estão, pregam as igrejas relatando os resultados nos campos. A família precisa descansar, guardar na lembrança momentos recolhidos que trouxeram bons momentos!

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